Discurso de Inauguração
CASARÃO
Histórico simplificadoO imóvel que hoje abriga o Memorial do Legislativo Potiguar, foi tombado na esfera federal em 16 de julho de 2014, através da portaria n◦72, por fazer parte de um conjunto arquitetônico, urbanístico e paisagístico conhecido como corredor cultural, que corresponde aos limites do município de Natal, no século XIX. O mesmo imóvel já havia sido tombado na esfera estadual, através do decreto de n◦19.982, no dia 24 de agosto de 2007.
Trata-se de uma edificação de estilo eclético, com detalhes neoclássicos e rococós, distribuídos em dois pavimentos (térreo e subsolo), em que grande parte dos materiais e sistemas construtivos, tais como alvenarias de tijolos maciços, esquadrias, pisos de ladrilho hidráulico, entre outros estava comprometida à época de início dos trabalhos de restauração, em meados de 2022.
Segundo o historiador Anderson Tavares de Lyra, o casarão integrava o complexo de prédios pertencentes a Fábrica de Fiação e Tecidos Natal e foi cedido por sua proprietária, Inês Augusta Paes Barreto, ao casal de sobrinhos: Augusto e Sofia Eugênia Tavares de Lyra, que residiam no Rio de Janeiro onde Tavares de Lyra era Deputado Federal. Quando eleito governador do Rio Grande do Norte, estabeleceu ali residência.
Ainda segundo o mesmo historiador, foi naquele casarão que o jovem governador Augusto Tavares de Lyra, aos 32 anos, assistiu à chegada de centenas de sertanejos fugidos da grande seca que assolou o Rio Grande do Norte entre 1904-1905. Também foi naquele casarão que o governador Tavares de Lyra, pesquisou e escreveu suas notas e apontamentos acerca da chamada “Questão de Grossos”, uma disputa territorial entre o Ceará e o Rio Grande do Norte. O governador assumiu pessoalmente a pesquisa historiográfica que possibilitou ao advogado Ruy Barbosa escrever as suas Razões Finais, que legitimou os direitos do RN sobre o território de Grossos.
Os herdeiros de Juvino e Inês Paes Barreto venderam a fábrica em 1925 a Francisco Solon. O imenso terreno foi repartido em lotes, e a casa foi apartada e vendida ao médico José Calixtrato Carrilho de Vasconelos. Sua viúva Idalina Pereira Carrilho faleceu no casarão no dia 13 de janeiro de 1950. O imóvel foi herdado pela filha única do casal, Alice Carrilho de Góis que juntamente com o marido professor Ulisses Celestino de Góis, em 1979, repassaram a casa para a Arquidiocese de Natal. Esta, utilizou parte do terreno para construir a Escola Técnica de Comércio, depois Faculdade Dom Heitor Sales.
A Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte concretizou a compra do imóvel à arquidiocese de Natal em 2017, com a intenção de ali instalar o Memorial do Legislativo Potiguar, um pertinente resgate material de um patrimônio arquitetônico e histórico do corredor cultural da Avenida Câmara Cascudo; numa reverência ao pródigo político Augusto Tavares de Lyra, que concretizou a construção da primeira sede para o poder Legislativo estadual.
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico não tinha detalhes sobre o casarão, revelando apenas o número do imóvel (398) e as cores predominantes da fachada quando elas ainda eram visíveis: salmão e branco.
A Assembleia Legislativa iniciou os trabalhos de restauração do Casarão em março de 2022. A estrutura da edificação passou por um rigoroso processo de estabilização e consolidação, para evitar a ruína. A varanda foi toda refeita, pois havia sido completamente destruída, tanto pela ação do tempo, quanto por ações de vandalismo. A balaustrada foi recomposta, seguindo o modelo dos balaústres preservados.
As esquadrias existentes foram substituídas por elementos modernos de alumínio e vidro, mantendo a integridade do conjunto, mas marcando a diferenciação entre o antigo e o moderno. O piso em ladrilho hidráulico foi parcialmente reaproveitado, utilizando as peças que se encontravam em boas condições. Os elementos decorativos e ornatos da fachada foram restaurados. Algumas alvenarias internas foram restauradas, mantendo os tijolos originais a mostra.
Imagens de 2017
LYRA, AUGUSTO TAVARES DE
*dep. fed. RN 1894-1904; gov. RN 1904-1906; min. Just. 1906-1909; sen. RN 1910-1914; min. Viação 1914-1918; min. TCU 1918-1941.
Augusto Tavares de Lyra nasceu em Macaíba (RN) em 25 de dezembro de 1872. Estudou em Natal no Colégio 11 de agosto, dirigido por Pedro Velho de Albuquerque Maranhão, líder político no estado, deputado federal de 1891 a 1893 e em 1896, e que se tornaria seu sogro. Completou o secundário em Recife e em 1892 bacharelou-se pela Faculdade de Direito dessa cidade. Recém-formado, abriu banca de advogado em Natal.
Nomeado em 1893 lente de história no Ateneu Norte Rio-Grandense, instituto oficial do estado, ainda nesse ano foi eleito deputado estadual no Rio Grande do Norte e, em 1894, deputado federal. Foi líder de sua bancada, secretário da Câmara e membro de importantes comissões, revelando-se como jurisconsulto ao apresentar, na qualidade de membro da Comissão de Justiça, seu parecer sobre o capítulo “Contratos” do projeto do Código Civil.
Em 1904 assumiu o cargo de governador do Rio Grande do Norte em substituição a Alberto Maranhão. Durante seu mandato reestruturou os quadros da administração, dinamizou a burocracia, saneou as finanças públicas e fundou o primeiro banco do estado. Iniciou a construção da Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte, inaugurando o trecho de Natal a Ceará-Mirim. Ajudou a promover o desenvolvimento das indústrias salineira, açucareira e algodoeira. Dedicou-se ao problema das secas, obtendo recursos junto ao governo federal para obras no sertão. Foi também responsável pela urbanização de Natal, onde construiu vários edifícios públicos, como os do Tribunal de Justiça (depois Instituto Histórico), do Congresso estadual (depois Tribunal de Justiça) e o parque Augusto Severo de Albuquerque Maranhão, em homenagem ao seu cunhado, deputado federal pelo Rio Grande do Norte de 1893 a 1902. Em 1905 inaugurou a iluminação a gás acetileno nos bairros alto e baixo da cidade.
Segundo Raimundo Nonato da Silva, por ocasião da viagem que o presidente eleito Afonso Pena fez então ao Norte, foi antecipadamente escolhido para ocupar a pasta da Justiça. Assim, em novembro de 1906, deixou o cargo de governador, que passou ao vice Manuel Moreira Dias, para assumir o posto de ministro da Justiça e Negócios Interiores, em substituição a Félix Gaspar de Barros Almeida. Anteriormente recusara por duas vezes o convite, mas, pressionado por Pedro Velho, afinal o aceitou ante a alegação de ser esta a primeira oportunidade de se ver o estado representado no governo da República.
Nesse período apresentou ao Legislativo um plano de reforma geral do ensino e tornou oficial a ortografia brasileira, empreendendo ainda várias obras públicas, entre as quais o Instituto Osvaldo Cruz e a Biblioteca Nacional. Reorganizou em 1908 o território do Acre, reformou aspectos da Justiça federal e local, regulamentou a nacionalização de estrangeiros, reorganizou o Corpo de Bombeiros, a Polícia Civil e Militar, a Guarda Civil, a Casa de Detenção e a Colônia dos Dois Rios, o Ginásio Nacional, o Hospital dos Alienados, o Instituto Benjamim Constant e o ensino industrial da antiga Escola Politécnica, tornando-se figura de destaque no “jardim-de-infância”, grupo de jovens estadistas republicanos selecionado por Afonso Pena para pôr em prática seu programa governamental. Empenhou-se também na questão que envolvia o projeto da bancada cearense visando à fixação de limites entre o Ceará e o Rio Grande do Norte.
Durante o período de crise que se seguiu à doença de Afonso Pena, conseguiu manter a integridade da Constituição, coordenando a ação dos chefes dos partidos políticos nacionais. Com a morte de Afonso Pena e a posse do vice-presidente Nilo Peçanha em junho de 1909, apesar do convite deste para que permanecesse no cargo, abandonou no mesmo mês o ministério, sendo substituído por Esmeraldino Bandeira. Em abril de 1910 foi eleito senador pelo Rio Grande do Norte. Nessa época lançaram lhe acusações políticas que ele rebateu em discurso na tribuna. Durante sua permanência no Senado, foi líder da maioria, na presidência de Hermes da Fonseca (1910-1914), apesar de ser o mais jovem dos senadores.
Assumindo a presidência Venceslau Brás (1914-1918), Tavares de Lyra foi convidado por este a participar de seu ministério. Antes, porém, como líder do governo que se extinguia, foi encarregado de compor os ministérios, conforme os acordos partidários. Escolheu para si a pasta da Viação e Obras Públicas — que assumiu em novembro de 1914, em substituição a José Barbosa Gonçalves, após deixar o Senado —, tendo sido o primeiro jurista a ocupá-la. Nesse período reviu numerosos contratos que provou serem nocivos e onerosos às finanças do país, liberando o Tesouro de elevados compromissos financeiros. Na área energética tornou efetivo o aproveitamento do carvão nacional, adquirindo as primeiras locomotivas destinadas ao seu consumo. Promoveu também a instalação de usinas hidrelétricas, como a de Itatinga, reorganizando vários serviços, entre os quais os que se achavam afetos às inspetorias de Obras contra as Secas, de Iluminação, de Estradas de Ferro, de Viação Marítima e Fluvial, de Portos, Ruas e Canais e de Esgotos, remodelando também os da Repartição Geral dos Telégrafos. Ocupou interinamente, por duas vezes, a pasta da Fazenda: de março a abril de 1916, quando substituiu João Pandiá Calógeras, e em novembro de 1918, quando era titular Antônio Carlos de Andrada.
Deixou a pasta da Viação em agosto de 1918, sendo substituído por Afrânio de Melo Franco. No mesmo ano abandonou a política e aceitou o cargo de ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), do qual viria a ser presidente de 1939 a 1940, após recusar vários convites para que fosse ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Como ministro do TCU, manifestou-se contrário ao registro do contrato com a companhia inglesa Itabira Iron Ore, destinado à exploração de jazidas de ferro em Minas Gerais. Foi o primeiro, desde o início da vida republicana, a lavrar um parecer sobre as contas do presidente da República e favoreceu a instauração do primitivo Instituto de Previdência dos Funcionários Públicos da União, tendo sido presidente de seu conselho administrativo.
Em 1923, por época da Revolução Gaúcha desencadeada com a reeleição de Antônio Augusto Borges de Medeiros para o seu quinto mandato como presidente do estado, foi enviado ao Rio Grande do Sul pelo presidente Artur Bernardes (1922-1926) para servir como mediador entre as forças republicanas de Borges de Medeiros e as federalistas de Joaquim Francisco de Assis Brasil. Pouco depois, foi substituído nessa missão por Fernando Setembrino de Carvalho. O conflito foi encerrado em novembro desse ano com o Pacto de Pedras Altas, que mantinha Borges de Medeiros no governo, mas vedava nova reeleição.
Em 1924 atuou como presidente e relator da chamada Guedd’s Commission, encarregada pelo presidente Artur Bernardes de apresentar sugestões com vistas ao maior rendimento e economia da administração pública. Em 1927, presidiu a organização do atual Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado (IPASE), sendo aposentado do TCU em 1941 por atingir o limite de idade.
Considerado grande orador, Tavares de Lyra teve intensa participação em eventos culturais, presidindo o II, III e IV congressos de História Nacional. Escreveu ainda vários artigos sobre história política, inclusive esboços biográficos de personalidades do Império e da República, tendo deixado também trabalhos sobre administração, finanças e direito administrativo. Foi membro do Instituto Histórico e Geográfico Nacional e sócio de várias entidades culturais, nacionais e estrangeiras. Vários de seus trabalhos foram publicados na Revista do Instituto Histórico Brasileiro, do qual foi o primeiro vice-presidente. Foi também professor de direito administrativo na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, no então Distrito Federal.
Faleceu no Rio de Janeiro no dia 21 de dezembro de 1958.
Era casado com Sofia Tavares de Lyra. Sua filha, Sofia Augusta Tavares de Lyra, casou-se com um de seus sobrinhos, Roberto Tavares de Lyra, que foi ministro da Educação e Cultura em 1962, no governo João Goulart. Outro sobrinho, o general Aurélio de Lyra Tavares, foi comandante do IV Exército de 1964 a 1965, ministro do Exército de 1967 a 1969, membro da junta militar que governou o Brasil entre agosto e outubro de 1969 e embaixador do Brasil na França de 1970 a 1974. Era ainda tio de João Lira Filho, que foi reitor da Universidade do Estado da Guanabara (UEG) de 1967 a 1971, e de Paulo Lira, que foi ministro interino da Fazenda entre junho e agosto de 1944 e chefe do Gabinete Civil da Presidência da República durante o governo de Nereu Ramos, de novembro de 1955 a janeiro de 1956.
Publicou O estado de sítio (1899), A questão de limites entre os estados do Ceará e do Rio Grande do Norte (1902), Apontamentos sobre a questão de limites entre o Ceará e o Rio Grande do Norte (1904), Algumas notas sobre a história política do Rio Grande do Norte (1907), Acumulações remuneradas (1911), O Rio Grande do Norte em 1911 (1912), Aposentadoria de funcionários públicos (1912), Domínio holandês no Brasil (1915), Notas históricas sobre o Rio Grande do Norte (1918), Aspectos econômicos do Rio Grande do Norte (1919), As secas do Nordeste (1919), História do Rio Grande do Norte (1921), Procuradores-gerais das províncias do Brasil (1922), Regime eleitoral de 1822 a 1922 (1922), Corografia do Rio Grande do Norte (1924), Contribuição para a biografia do imperador (1925), Centenário do Senado do Império (1926), Centenário da fundação dos cursos jurídicos de São Paulo e Olinda (1927), Deodoro da Fonseca (1927), Centenário do Supremo Tribunal de Justiça (1928), O primeiro Conselho de Estado (1931), Marquês de Queluz (1933), Lafayette Rodrigues Pereira (1934), João Alfredo Correia de Oliveira (1935), Quintino Bocaiúva (1936), Caxias, presidente do Conselho de Ministros (1936), O primeiro Senado da República (1938), Organização política e administrativa do Brasil — Colônia, Império e República (1938), Presidente Afonso Pena (1939), Francisco Belisário Soares de Sousa (1939), Independência do Brasil (1940), O sistema parlamentar no Brasil (1940), Estradas de ferro e portos do Rio Grande do Norte (1940), O duque de Caxias e a unidade brasileira (1941), Francisco Glicério (1941), Senador Pedro Velho (1942), O Ministério da Justiça (1943), Minha passagem pelo Senado (1943), O monumento ao barão do Rio Branco (1944), Rio Branco no Instituto Histórico (1945), Os ministros de Estado da Independência à República (1946), Presidente Rodrigues Alves (1948), Amaro Cavalcanti (1949), Sinopse histórica da capitania do Rio Grande do Norte (1950), Pinheiro Machado (1951) e O Senado da República de 1889 a 1930 (1953).